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O sistema endocanabinoide (SEC) está presente no corpo humano e também em todos os animais vertebrados. Ele atua em uma série de funções, como na sensação da dor e em processos inflamatórios, na digestão, no sistema neurológico, respiratório, entre outros.
Tem sido considerado um dos principais sistemas bioquímicos do corpo humano visto que seus receptores encontram-se presentes em vários tecidos e órgãos.
O tratamento medicinal à base da Cannabis sativa é possível graças a esse sistema, uma vez que os componentes ativos da planta, que apresentam efeitos terapêuticos, ativam os receptores canabinoides do SEC. Acompanhe a leitura para entender melhor a complexidade desse sistema.
Como foi descoberto o sistema endocanabinóide?
O uso da planta Cannabis com fins medicinais é conhecido há milhares de anos. Em civilizações antigas como a China, existem relatos do uso desde 2.737 a.C. Contudo, pesquisas em grau científico somente começaram a ser conduzidas no final do século passado.
Rapahel Mechoulam, pesquisador israelense, considerado o pai da Cannabis pela comunidade científica, foi o primeiro responsável por isolar e estudar separadamente um dos principais componentes ativos da planta, o tetrahidrocanabinol (THC), em 1964.
Após entender como ocorria a interação da planta e suas substância ativas com o corpo humano, ele começou a estudar mais a fundo o sistema endocanabinoide.
Em 1988, Devane WA identificou o primeiro receptor canabinoide, denominado receptor endocanabinoide 1 (CB1). E posteriormente, em 1993, o segundo receptor também foi descoberto e designado como receptor endocanabinoide 2 (CB2).
Entendendo melhor o funcionamento desse sistema no próprio organismo humano, os cientistas passaram a compreender a existência de ligantes endógenos e como intervir na modulação do SEC pela administração dos canabinoides.
Primeiramente com os fitocanabinoides, extraídos das plantas, e a partir daí perceberam a existência de endocanabinóides, produzidos de forma endógena (interna) por esse sistema.
Assim, conseguiram identificar a primeira substância endógena, chamado de anandamida, capaz de agir nos receptores canabinoides descobertos. Derivado do sânscrito “ananda”, seu nome significa “felicidade” ou “prazer extremo”, e revela efeitos ansiolíticos no corpo humano.
Saiba o que é canabidiol
As substâncias ativas da Cannabis que produzem efeitos terapêuticos no corpo humano são os chamados de fitocanabinoides. Além do THC, um outro fitocanabinoide muito conhecido é o canabidiol (CBD). Nos últimos anos, foram feitas muitas descobertas no âmbito medicinal relacionados a essa substância.
Pesquisas e estudos clínicos comprovaram o potencial do CBD como anticonvulsivante, anti-inflamatório, ansiolítico e neuroprotetor, além de ações ligadas ao sistema imunológico.
O CBD também é aplicado para diminuir efeitos colaterais de tratamentos. Pode ser indicado para melhora de espasmos musculares em paciente com Esclerose Múltipla, doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson, e tratamento de quadros ansiosos e insônia (podendo ou não ser combinado ao THC).
Os canabinoides podem se ligar, bloquear ou modular a atividade dos receptores presentes no sistema endocanabinoide, produzindo assim os efeitos terapêuticos.

Conheça outros fitocanabinóides já conhecidos e seus efeitos no corpo humano
Apesar do CBD estar em maior concentração na Cannabis e, por isso, existirem mais estudos a seu respeito, são conhecidos muitos outros canabinoides na planta.
CBC (Cannabichromene)
Este canabinoide possui potencial como anti-inflamatório e antitumoral. Para isso, existem pesquisas que mostraram a sua interação com células neuronais e também uma participação no metabolismo ósseo.
CBG (Canabigerol)
Os estudos dessa substância da Cannabis ainda são limitados, pois ela apresenta-se em pequenas concentrações na planta. Entretanto, algumas evidências mostram resultados promissores em relação a neuroproteção e potencial antimicrobiano, contra o crescimento bacteriano e fúngico.
CBN (Canabinol)
É um produto originado da degradação do THC, com maior concentração em plantas mais maduras da Cannabis. Pesquisas evidenciam potenciais terapêuticos no glaucoma, efeitos antibacteriano e anti-inflamatório.
Em ensaios com roedores, foi avaliado a diminuição da progressão de processos degenerativos do Sistema Nervoso Central (SNC), em modelos animais portadores de esclerose lateral amiotrófica. Além disso, há indicações de potencial antibacteriano do CBN, contra infecções por MRSA, bactéria Staphylococcus aureus Resistente à Meticilina.
CBDV (Canabidivarina)
É um fitocanabinoide que assemelha-se muito com o canabidiol, inclusive em potenciais terapêuticos. Pode atuar como estimulante ósseo e está relacionada ao potencial anticonvulsivante, principalmente pela sua afinidade com receptores da família TRPV, com estudos mostrando efetividade em modelos animais.
THCV (Tetraidrocanabivarina)
Essa substância pode ser interessante no tratamento de quadros de neurodegeneração. Há estudos que mostram relação com Alzheimer, Esclerose Múltipla e Parkinson. Além disso, age como antagonista de CB1 e pode auxiliar na supressão do apetite e na regulação da glicemia.
Δ9-THCA (Ácido tetraidrocanabinólico)
Esse composto é resultado da biossíntese do precursor CBGA. Ou seja, é a molécula original que precisa ser descarboxilada para dar origem ao THC e THCV. Resumidamente, quando exposto ao calor, há mudanças bioquímicas, transformando-o em THC.
Podemos destacar suas ações antiespasmódico, analgésico, antiemético (náuseas e vômitos), anti-inflamatório e neuroprotetor.
Qual a ligação entre sistema endocanabinóide e a Cannabis medicinal?
Existe uma analogia muito usada que facilita o entendimento do funcionamento do sistema endocanabinoide que é chamada de “chave-fechadura”. Enquanto o SEC representa uma fechadura, as chaves são os compostos da Cannabis.
Além dos fitocanabinoides, os terpenos e canaflavinas são substâncias ativas também encontradas na Cannabis dentre mais de quatrocentas. Todas elas têm a capacidade de ativar os receptores canabinoides (CB1 e CB2) do Sistema Endocanabinoide, e proporcionar efeitos medicinais.
Quando cada uma dessas ‘chaves’ interagem com as suas respectivas ‘fechaduras’, elas abrem as portas para uma série de efeitos benéficos no nosso corpo.

Ligações por meio do CB1 e CB2
O receptor canabinoide CB1 está presente principalmente no sistema nervoso central, sendo responsável pela maioria dos efeitos neurocomportamentais, como a dor, auxílio na coordenação motora, apetite, memória de curto prazo, batimento cardíaco, entre outros.
Assim, ele modula a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica por meio da inibição de canais de cálcio. Enquanto isso, o CB2 atua principalmente no sistema imunológico, modulando e regulando respostas inflamatórias. Ele é encontrado em menor quantidade no sistema nervoso periférico (SNP).
Importante destacar que o CB2 participa de eventos relacionados a imunomodulação, inflamação, neuroinflamação, neuroproteção, cardioproteção, e formação e renovação óssea.
Os receptores canabinoides são encontrados, mais especificamente, na membrana das células. A membrana atua como uma barreira protetora, assim os receptores poderão analisar e responder aos estímulos vindos do exterior da célula.
Quando um canabinoide se liga a um receptor canabinoide, é enviado um sinal para o interior da célula, podendo alterar temporariamente o seu funcionamento. Se é uma célula “doente”, o canabinoide poderá fazer com que se recupere.
A distribuição dos receptores por diferentes tecidos e órgãos impactará em diferentes processos de acordo com a possível existência de desequilíbrios em cada local. A mudança no comportamento de cada célula desencadeia uma cascata, ativando uma mudança coletiva visando o estado de equilíbrio.
É sabido que o canabidiol apresenta baixa afinidade de ligação aos receptores CB1 e CB2. Na verdade, ele atua no SEC como um modulador alostérico negativo do receptor CB1. Em relação ao CB2, ele age como um antagonista/agonista inverso, o que justifica em parte a ausência de efeitos psicoativos deste canabinoide.

Atuação do CBD no sistema Endocanabinoide para o tratamento de Epilepsia
Vamos exemplificar para facilitar o entendimento na prática. No caso da epilepsia, uma patologia muito tratada com o produto de Cannabis, o CBD age reprimindo as neurotransmissões. Isso causa uma redução geral da atividade dos neurônios excitadores.
Além disso, ele estimula os neurônios inibitórios, como mais uma forma de reequilibrar a atividade neural. O canabidiol é capaz ainda de regular os receptores vanilóides TRPV1 no cérebro, que quando super ativados, geram crises epilépticas.
Já o THC, atua nos receptores endocanabinoides do córtex sensitivo-motor, modulando os componentes emocionais e cognitivos relacionados à percepção da dor.
Consumidos em conjunto, os elementos da Cannabis podem oferecer um beneficiamento ainda maior ao corpo a partir do efeito entourage.
Uma pesquisa realizada com pais de crianças com epilepsia e publicada no Epilepsy and Behavior, revela que o uso de produtos à base de Cannabis medicinal resultou na redução da frequência das crises epilépticas em 85% das crianças, sendo que 14% delas pararam de ter crises.
Outras patologias que possuem comprovação para tratamento com Canabidiol:
- Parkhinson
- Epilepsia
- Câncer
- Alzheimer
- Fibromealgia
- Alzheimer
- Autismo
- Ansiedade e Depressão
- Asma

A finalidade do sistema endocanabinóide
O sistema endocanabinoide (SEC) existe para garantir o bom funcionamento do corpo humano, tanto na interação entre todos os órgãos e sistemas, como nas interações com o meio exógeno. Assim, equilibrando a temperatura interna com a externa, por exemplo.
A sua ação nos processos homeostáticos então, não depende somente da interação com compostos ativos exógenos, vindos da planta Cannabis, por exemplo. O próprio SEC tem como papel e função natural agir na regulação dos processos fisiológicos.
Por isso, como vimos acima, ele produz as suas próprias substâncias ativas que internamente já surtem efeitos benéficos. Como é o caso da anandamida.
Atuação da anandamida no SEC
A anandamida é um ácido graxo e neurotransmissor que, não à toa, quando está em falta no corpo, pode acarretar em problemas de saúde. Embora o seu excesso também seja prejudicial.
Segundo divulgado em artigo na Sociedade Brasileira de Química, estudos em animais mostram que o excesso de anandamida induz ao esquecimento. Isso poderia indicar um provável uso de substâncias capazes de inibir a ligação da anandamida ao seu receptor no tratamento da perda de memória.
Além disso, a anandamida é lipossolúvel e atravessa a barreira entre cérebro e sangue. Atuando como um neurotransmissor no sistema nervoso, ela facilita a comunicação entre as células nervosas, o que afeta o humor. Por isso é considerada antidepressiva, dando origem ao nome de substância da felicidade.
De modo geral, acredita-se que o canabidiol (CBD) potencializa os benefícios do THC e da anandamida. Isso modera os efeitos psicoativos do THC e confere ao CBD uma ação bidirecional neste sistema, como é possível observar pela curva em U invertido de efeitos do CBD.
Existe ligação entre sistema endocanabinóide e o bem-estar?
Uma vez que o sistema endocanabinoide promove a homeostase, garantindo que tudo funcione bem, isso acaba gerando bem estar. Sem falar na atuação da anandamida, que trabalha justamente para esse fim.
Se o sistema endocanabinoide desempenha um papel fundamental na manutenção do equilíbrio da fisiologia humana, o que aconteceria se ele se desregulasse?
Uma investigação sugere que cada corpo tem volume ideal de canabinoides que circulam pelo corpo. A insuficiência na sua produção poderia desencadear um estado determinado como deficiência endocanabinoide clínica (DEC).
As patologias que encontram tratamento na terapia canábica, estão ligadas ao desequilíbrio do SEC e a falta de canabinoides endógenos. Por exemplo, um paciente com depressão pode estar com baixos níveis de anandamida. Ao tomar CBD, este equilíbrio pode ser retomado.

Como manter o funcionamento do SEC
Existem algumas formas naturais de manter o sistema endocanabinóide sob controle:
- O consumo dos fitocanabinoides, por meio da terapia canábica: o THC e CBD irão influenciar no bom funcionamento dos receptores canabinoides.
Eles trabalham juntamente com os edocanabinoides. A ação do CBD como inibidor da enzima FAAH (que é responsável pela quebra da anandamida) permite que a substância tenha uma vida útil maior no organismo.
- Exercício aeróbico: a anandamida é produzida durante e após atividades físicas, causando bem-estar. Os efeitos antidepressivos podem ser ainda potencializados pelos canabinoides da Cannabis;
- Chocolate: a anadamida provém do cacau, por isso, prefira os chocolates escuros, com maior teor de caucau e menos leite e açúcar na fórmula;
- Trufas negras: é um fungo que contém anandamida e outros canabinóides;
- Ácidos graxos ômega 3: o corpo precisa deles para sintetizar os endocanabinoides. Alguns alimentos que contém ómega-3 são peixes e sementes, como nozes, linhaça e chia;
- Cariofileno: é um terpeno que além da Cannabis, também é encontrado em muitas ervas culinárias (como alecrim, pimenta preta, lúpulo, cravo-da-índia e orégano). Ele atua como um canabinóide dietético, ligando-se diretamente com o receptor CB2, melhorando o humor e a disposição.
Todos os caminhos apontam que uma vida saudável e com longevidade deve ser pautada na busca do equilíbrio do sistema canabinóide. Ela se conduz nos princípios básicos de uma alimentação saudável e rica em vegetais, frutas, fibras e vitaminas.
Além do movimento do corpo com prática regular de atividades físicas. E que podemos e devemos contar com outras fontes naturais, que auxiliam e potencializam o funcionamento das funções fisiológicas sem gerarem efeitos colaterais e outros prejuízos.
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Referências
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Sitema Endocanabinoide: o que você precisa saber. Disponível em: <https://wecann.academy/sistema-endocanabinoide-o-que-vc-precisa-saber/>