Aposto que você já ouviu falar sobre o potencial do uso do canabidiol para autismo. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio de desenvolvimento que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), afeta 70 milhões de pessoas em todo o mundo.
Atualmente, não existe um tratamento específico para o TEA, apenas para ajudar os pacientes a lidar com os sintomas, como irritabilidade e transtornos do sono.
No entanto, muitas pessoas com espectro autista não conseguem controlar os sintomas e viver com qualidade, além de terem que conviver com efeitos adversos desagradáveis.
Por isso, muitos pais têm visto os derivados da Cannabis como uma alternativa para seus filhos diagnosticados com a patologia, em busca de algo que traga uma melhora efetiva no quadro.
Mas quais são os benefícios? Existem evidências científicas de suporte para o uso medicinal da Cannabis no tratamento? Acompanhe a leitura com a gente.
Autismo e canabidiol: a história dos estudos
A experiência com o uso do canabidiol (CBD) como tratamento alternativo do autismo é muito propagado, principalmente entre pacientes, familiares e cuidadores.
Diversos relatos apontam que os canabinoides podem promover uma melhora significativa na qualidade de vida dos autistas.
Apesar disso, é importante o avanço de estudos científicos que comprovem a razão para administração dos produtos. Principalmente pelo fato da maioria das pesquisas ainda abrangerem um número pequeno de pessoas, limitando as análises.
Sendo assim, podemos destacar três estudos significativos sobre a relação do autismo e o canabidiol. Confira:

O que dizem os estudos?
Publicado na revista científica Nature, o estudo “Real life Experience of Medical Cannabis Treatment in Autism: Analysis of Safety and Efficacy” acompanhou 188 pacientes autistas tratados com derivados da Cannabis.
Após seis meses de tratamento, uma melhora pôde ser percebida em pelo menos 75% dos participantes. Principalmente nos sintomas de: inquietação, irritabilidade, agitação, ansiedade, ataques de raiva, distúrbios do sono e problemas na digestão.
A análise veiculada pela Elsevier, “Cannabidiol as a suggested candidate for treatment of autism spectrum disorder”, avaliou estudos pré-clínicos e clínicos. Nele, foi demonstrado que o canabidiol pode ajudar os autistas a melhorar suas interações por meio de seus efeitos pró-sociais.
Além disso, pesquisadores apontaram que a substância da Cannabis pode ser eficaz no tratamento de outras comorbidades, como TDAH, ansiedade, convulsões e distúrbios do sono.
Em contrapartida, efeitos como psicose, distúrbios cognitivos ou do humor e agressividade apresentaram baixos níveis de evidência para serem considerados relevantes.
Outro estudo mais recente, publicado no periódico Journal of Cannabis Research com o título “CBD-enriched cannabis for autism spectrum disorder: an experience of a single center in Turkey and reviews of the literature”, acompanhou 33 crianças diagnosticadas entre 2018 a 2020.
Segundo relatos dos pais, houve melhora dos pacientes tratados com redução de 32,2% de dificuldades comportamentais e 3,2% de comportamentos estereotipados. E uma melhora de 22,5% em linguagem expressiva, 9,6% na interação social e 12,9% de cognição.
Assim, ambos concluem que os derivados da Cannabis podem ser considerados como possível e eficaz para o tratamento de pacientes do espectro autista.
Mas ressaltam que mais pesquisas a respeito do tema devem ser incentivadas e realizadas pela comunidade científica.
O que é Transtorno do Espectro Autista?
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) refere-se a um grupo de transtornos neurológicos de desenvolvimento leves e severos.
De forma geral, é caracterizado por uma falha no neurodesenvolvimento, que pode acarretar em dificuldades motoras, de comunicação e socialização do paciente.
Apesar de não manifestar-se da mesma forma em todas as pessoas, a pessoa diagnosticada com autimo apresenta certos padrões característicos que apontam para esse transtorno. Os principais são:
- Comportamentos repetitivos e estereotipados;
- preferência por interagir com objetos do que com pessoas;
- dificuldade no aprendizado; e
- déficits na comunicação e fala.
Os primeiros sinais podem ser notados a partir de 12 a 18 meses de idade, com incidência maior no sexo masculino. Por isso, é importante ficar atento ao período de neurodesenvolvimento da criança.
Além disso, a maior parte dos pacientes têm mais de uma enfermidade concomitante, como a epilepsia e/ou o TDAH, e também são mais suscetíveis a desenvolver ansiedade ou depressão, por exemplo.
Mesmo que o diagnóstico, geralmente, aconteça de forma precoce, ainda na infância, o TEA não tem cura e o paciente terá que lidar com os sintomas por toda a vida.
Embora com acompanhamento multidisciplinar e abordagens terapêuticas específicas a qualidade de vida dos pacientes tenham avançado nas últimas décadas, o tratamento desse transtorno ainda é desafiador, limitado à terapia farmacológica.
Mas, infelizmente, grande parte dos autistas com quadros mais avançados e comportamentos disruptivos não respondem bem aos tratamentos medicamentosos e comportamentais tradicionais.
Neste cenário, a terapia canábica vem se destacando como uma promessa de tratamento, conforme aprofundaremos ao longo do texto.

Ação do CBD no tratamento do Transtorno do Espectro Autista
O uso dos canabinoides tende a ser um promissor tratamento nas questões comportamentais associadas ao autismo. De modo geral, esta alternativa pode ser eficaz na abordagem dos principais sintomas e funções cognitivas.
Entre seus benefícios, podemos destacar a melhora no quadro clínico e o alívio de episódios que geram desconforto e problemas sociais.
Sua administração deve fazer parte de uma abordagem multidisciplinar adotada pelo médico responsável e sua atuação no tratamento se dá por meio do Sistema Endocanabinoide. Ou seja, por meio da modulação e liberação de neurotransmissores. A seguir, vamos entender melhor como o canabidiol atua no autismo:
Metabolização da Anandamida
Um estudo publicado no Molecular Autism em 2018, concluiu que crianças com TEA têm uma concentração menor do principal endocanabinoide, a anandamida, do que crianças neurotípicas (que não possuem problemas de desenvolvimento neurológico).
Isso indica que um desbalanço no Sistema Endocanabinoide estaria relacionado com os sintomas do espectro autista. Dessa forma, o CBD irá agir impedindo a metabolização da anandamida, para que ela permaneça ativa por mais tempo.
A anandamida se relaciona com as convulsões na medida em que regula o funcionamento dos neurônios excitatórios e inibitórios, evitando o excesso de atividade cerebral e impulsos elétricos entre os neurônios.
Além disso, é possível reduzir os comportamentos sociais inadequados com o aumento na taxa de anandamida.
Regulação do humor e do comportamento
O canabidiol também atua como um regulador de humor auxiliando em sintomas coadjuvantes como a depressão, ansiedade e outros transtornos afetivos comuns do espectro autista. Isso acontece à medida que o CBD adequa os níveis de serotonina no cérebro.
Outra ação do CBD é equilibrar a dopamina, atuando diretamente no controle da agressividade e da irritabilidade.
Isso é possível por meio da interação com os receptores ácido gama-aminobutírico (GABA), responsáveis por diminuir a atividade cerebral em momentos de estresse, gerando um efeito calmante.
Regulação do apetite e sono
Enquanto o antipsicótico atípico gera compulsão alimentar, o canabidiol funciona como um regulador do apetite ao melhorar a sensibilidade do hipotálamo. Essa região é responsável por grande parte da homeostase, como o apetite.
Além disso, a substância pode melhorar sistemas funcionais relacionados ao sono, sendo considerado um tratamento promissor para distúrbios como a insônia. Assim como o efeito ansiolítico do canabidiol, que permite que a pessoa relaxe e ative seu mecanismo natural de sono.
Ressalta-se com os dados apresentados, a segurança e limitados efeitos colaterais com o uso de produtos de Cannabis nos pacientes portadores do TEA.
Quais os efeitos colaterais do CBD no caso do autismo?
Como mencionamos anteriormente, não existe um tratamento específico para o transtorno de espectro autista, mas sim para controlar os sintomas. Atualmente, são indicados medicamentos sintéticos para atenuar as manifestações da síndrome.
Para controlar as crises de ansiedade e a irritabilidade devido à imprevisibilidade, são utilizados ansiolíticos e antidepressivos. Para lidar com as estereotipias e a concentração, medicações de TDAH. No caso dos pacientes que têm convulsões, também é feito o uso de anticonvulsivantes.
Entretanto, estes medicamentos possuem efeitos colaterais que impactam a vida do paciente de forma significativa. Fora a incapacidade de melhorar a qualidade de vida, e o desenvolvimento social e cognitivo dos pacientes autistas.
Inclusive, o uso de antipsicótico atípico pode inclusive agravar alguns sintomas do espectro autista como insônia, ansiedade, agitação e convulsões.
Por outro lado, os extratos de Cannabis se destacam por apresentar um perfil de segurança adequado do tratamento.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o CBD apresenta baixa toxicidade e boa segurança em uso terapêutico, além de não causar dependência química e falta de cognição.
Apesar disso, o uso do CBD pode causar sim poucos e leves efeitos colaterais, induzido principalmente por doses altas do produto. Entre eles:
- Queda de pressão;
- tontura;
- diarreia e vômitos;
- inquietação;
- alterações no apetite e peso;
- cansaço e sonolência; e
- boca seca.
No entanto, vale ressaltar que esses efeitos podem ocorrer apenas quando utilizados de forma indevida, em altas doses e sem recomendação médica. E todos os efeitos colaterais são tidos como temporários.
Espero que tenha gostado e que tenha conseguido entender a relação do autismo e canabidiol. Quer ficar por dentro do assunto? Continue acompanhando nosso blog e redes sociais.
Referências
Fleury-Teixeira Paulo, Caixeta Fabio Viegas, Ramires da Silva Leandro Cruz, Brasil-Neto Joaquim Pereira, Malcher-Lopes Renato. Effects of CBD-Enriched Cannabis sativa Extract on Autism Spectrum Disorder Symptoms: An Observational Study of 18 Participants Undergoing Compassionate Use. Frontiers in Neurology, 10/2019; DOI=10.3389/fneur.2019.01145; https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fneur.2019.01145
Bar-Lev Schleider, Lihi & Mechoulam, Raphael & Saban, Naama & Meiri, Gal & Novack, Victor. (2019). Real life Experience of Medical Cannabis Treatment in Autism: Analysis of Safety and Efficacy. Scientific Reports. 9. 10.1038/s41598-018-37570-y.
Shani Poleg, Pavel Golubchik, Daniel Offen, Abraham Weizman, Cannabidiol as a suggested candidate for treatment of autism spectrum disorder, Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry, Volume 89, 2019, Pages 90-96,
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Bilge, S., Ekici, B. CBD-enriched cannabis for autism spectrum disorder: an experience of a single center in Turkey and reviews of the literature. J Cannabis Res 3, 53 (2021). https://doi.org/10.1186/s42238-021-00108-7